Se for aprovada em sua forma atual, a revisão do Código Florestal brasileiro, em votação no Congresso Nacional, poderá levar a perdas irreversíveis na biodiversidade tropical, alertam cientistas em carta publicada na edição atual da revista Science.
Intitulada "Perda de biodiversidade sem volta", a carta tem autoria de Fernanda Michalski, professora do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade Tropical da Universidade Federal do Amapá, Darren Norris, do Departamento de Ecologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), e Carlos Peres, da Universidade de East Anglia, no Reino Unido.
Na carta, os pesquisadores apontam que as propriedades privadas correspondem a 39% do território brasileiro e representam um componente essencial para a conservação da biodiversidade florestal, à parte das áreas protegidas formalmente.
Mas os “interesses de curto prazo de poderosos grupos econômicos, influentes proprietários de terra e políticos, ao diluir o Código Florestal, ignoram o valor das florestas privadas para a conservação”, segundo eles.
De acordo com Fernanda, a manifestação é um complemento à carta publicada na Science no dia 16 de julho, por pesquisadores ligados ao Programa Biota-FAPESP, com o título Legislação brasileira: retrocesso em velocidade máxima?. Segundo ela, o objetivo foi colocar em evidência a modificação do código relacionada à redução de área das Áreas de Proteção Permanente (APP).
“A Science abre espaço para que possamos reforçar comentários feitos em edições anteriores. Quisemos fazer isso para enfatizar um pouco mais o problema diretamente ligado à redução das áreas de APP, que está sendo levantado na proposta de reforma do Código Florestal”, disse à Agência FAPESP.
Professora do Departamento de Ecologia da Unesp até o fim do primeiro semestre de 2010, Fernanda concluiu seu doutorado em 2007, na Universidade de East Anglia, sob orientação de Peres, e realizou pós-doutorado na Universidade de São Paulo (USP), com Bolsa da FAPESP.
“Parte do meu pós-doutorado correspondeu exatamente à avaliação do uso de áreas de APP por vertebrados de médio e grande porte. A partir dos dados obtidos nessa pesquisa achamos relevante destacar esse tópico no contexto da reforma do Código Florestal”, destacou.
A carta enviada em julho pelos pesquisadores do Biota-FAPESP apontava que as novas regras do Código Florestal reduziriam a restauração obrigatória de vegetação nativa ilegalmente desmatada desde 1965. Com isso, as emissões de dióxido de carbono poderão aumentar substancialmente e, a partir de simples análises da relação espécies-área, “é possível prever a extinção de mais de 100 mil espécies, uma perda massiva que invalidará qualquer comprometimento com a conservação da biodiversidade”, segundo eles.
O texto foi assinado por Jean Paul Metzger, do Instituto de Biociências da USP, Thomas Lewinsohn, do Departamento de Biologia Animal da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Luciano Verdade e Luiz Antonio Martinelli, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), da USP, Ricardo Ribeiro Rodrigues, do Departamento de Ciências Biológicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, e Carlos Alfredo Joly, do Instituto de Biologia da Unicamp.
Efeito de borda
A carta publicada na edição atual da revista científica norte-americana afirma que a reforma da legislação irá “efetivamente condenar remanescentes florestais e a rebrota em terras privadas no maior país tropical da Terra”.
Segundo Fernanda, o texto reforça uma questão levantada na manifestação anterior, relacionada a um possível aumento do “efeito de borda” – uma alteração na estrutura, na composição ou na abundância de espécies na parte marginal de um fragmento florestal que acaba tendo impactos sobre a fauna e flora de toda a região.
“O efeito de borda se manifesta à medida que a permeabilidade da matriz aumenta e cria uma série de efeitos adversos para a flora e para a fauna. Mas, além disso, nossas pesquisas revelaram um outro dado importante que merecia ser destacado: quando a área de proteção é reduzida a menos de 50 metros de cada lado da APP, o resultado é um aumento considerável na mortalidade das árvores”, afirmou.
Os cientistas brasileiros alertam que, com as modificações propostas na legislação, a redução das áreas de proteção deverá provocar mudanças nas características da paisagem que reduzirão a capacidade da floresta para reter e conectar espécies, ou para manter a qualidade dos corpos d’água.
Segundo o texto, os proprietários rurais que cumprirem a nova legislação aumentarão a fragmentação da paisagem e reduzirão o valor das suas propriedades, por conta da erosão do solo e pela má regulação de captação de água nas bacias hidrográficas.
Mas ainda é possível ter esperança: “a comunidade científica e ambiental, as organizações não governamentais e o Ministério do Meio Ambiente ainda podem se conciliar com os defensores da reforma do Código Florestal”, ressaltam os autores.
“Para isso, será preciso melhorar a comunicação entre os segmentos da sociedade, desenvolvendo alternativas de gestão inteligente do uso do solo na matriz agropecuária existente e evitando, com isso, a expansão de novas fronteiras de desmatamento”, afirmam.
O artigo No Return from Biodiversity Loss (doi: 10.1126/science.329.5997.1282-a), de Fernanda Michalski, Darren Norris, and Carlos A. Peres, pode ser lido por assinantes da Science em www.sciencemag.org/cgi/content/full/329/5997/1282-a.






Holoregmia viscida Nees (Martyniaceae) é uma espécie endêmica das caatingas baianas e em perigo de extinção. Em 2000, foi descoberto na estrada Real em Rio de Contas um arbusto com cerca de 2m de altura, com folhas grandes, opostas e carnosas, inteiramente coberto por tricomas glandulares e grandes flores bilabiadas com corola amarelo claro com tubo largo e internamente com pontos vermelho-vináceos, lembrando muito as flores de algumas Bignoniaceae. Diferentemente das espécies dessa família, o fruto era drupáceo e com exocarpo verde e viscoso, que logo caia mostrando o endocarpo castanho e muito lenhoso. O espécime foi incluído em Martyniaceae, apesar de ser muito diferente das outras 15 espécies dos quatro outros gêneros da família, que são ervas anuais e com frutos com cornos ou espinhos grandes no ápice. Foi possível identificar o espécime como Holoregmia viscida Nees, gênero monotípico, descrito a partir de coleta feita pelo Príncipe Maximilian von Wied-Neuwied em 1817 nas caatingas próximas ao atual município de Jequié. A confirmação da identificação foi feita pela comparação com o material-tipo, muito fragmentado e depositado no Herbário de Meise, Bruxelas (BR). Deve ser destacado que Stapf (1895) na revisão de Martyniaceae e Bretting & Nilsson (1998) ao apresentar a palinotaxonomia do grupo, expressaram desconhecimento do gênero. Até o presente, a espécie é endêmica das caatingas da Bahia, ocorrendo em pequenas áreas abertas, com influência dos rios de Contas e Paraguaçu, como mostrado pelo escasso material depositado nos herbários HUEFS e CEPEC. Entre Manuel Vitorino e Jequié, foi possível observar mais de cinco indivíduos formando uma população. O indivíduo de Rio de Contas teve seu crescimento acompanhado durante dois anos, mas foi extinto pela queima da área para plantio de manga. Certamente é um gênero e sua espécie em grande perigo de extinção. O encontro inusitado do primeiro indivíduo, associado ao estudo dos outros poucos espécimes, possibilitou a publicação de uma descrição completa da espécie (Harley et al. 2003) e ajudou a inclusão do gênero na recente revisão das Martyniaceae (Ihlenfeldt 2004). 






